Veredito final
Depois de tanto suspensse em relação a crítica do filme O Segredo de Brokeback Mountain, sem mais delongas, segue abaixo a crítica do filme e também, a minha opinião do vencedor do Oscar, Crash - No Limite.
CRASH - NO LIMITE
É engraçado o que um Oscar pode fazer na carreira de um filme. Crash – No limite certamente passaria despercebido pelo grande público. Apesar de um elenco conhecido ele seria ofuscado pelas inúmeras superproduções que chegam as locadoras mensalmente. Mas agora com o Oscar de Melhor Filme na bagagem, Crash – No Limite se tornará um dos filmes mais badalados do ano. Merecidamente.
Nos tempos em que os blobkbusters do verão americano decepcionaram nas bilheterias, o filme vencedor do prêmio máximo do cinema é tudo aquilo que um blockbuster não é: barato, intimista e provocante.
Em Crash, as tramas têm como plano de fundo a cidade americana Los Angeles, mas em nenhum momento percebemos que aqueles fatos acontecem apenas nos Estados Unidos. A cidade poderia ser Rio de Janeiro, São Paulo, Roma, Paris qualquer outra. Afinal, o que vemos durante as quase duas horas de Crash são histórias não de americanos, mas sim, de humanos.
O preconceito, a intolerância, a paranóia, a violência e o medo estão presentes em qualquer ponto do mundo, não só na América do Norte.
É evidente que o ataque terrorista as Torres Gêmeas em 2001 juntamente com a doutrina contra o terrorismo criada por Bush contribuíram para um aumento evasivo do preconceito dos americanos aos estrangeiros, mas esse mesmo preconceito sempre existiu e infelizmente sempre existirá.
Mas o roteiro escrito por Paul Haggis não cai no erro de tenta mostrar a solução para os problemas sociais apontados no filme, ele apenas nos mostra os pontos fracos da personalidade humana que nos leva a eles. Mas também fica bem claro, em diversos momentos, que mesmo aqueles personagens que se mostraram imorais e inescrupulosos momentos antes, apresentam um dos sentimentos mais presentes em um ser humano: o arrependimento.
Mesmo podendo ser qualquer outra cidade, Los Angeles se transforma na grande protagonista do filme. A cidade parece sempre pronta para uma nova reviravolta ou uma nova surpresa. Note como o diretor evita os grandes centros comerciais da cidade, preferindo ruas escuras e pouco movimentas tornando fáceis atos de promiscuidades.
Para ajudar nesse clima noir, percebemos uma bela fotografia bastante particular que é acaba passando um ar de “amadorismo” ao longa.
Mas o maior suporte de Crash – No limite não reside nas denúncias e nem na direção do novato Paul Haggis e sim, no elenco. Exatamente todos que aparecem na tela estão brilhantes. Sandra Bullock não deveria voltar mais as comédias românticas. Matt Dillon também não. Don Cheadle repete a excelência de Hotel Rwanda, mas a grande surpresa reside em dois jovens atores: Terrence Howard e Ryan Phillippe. Curiosamente, esses dois últimos são donos de uma das melhores cenas do filme.
Crash não parece filme, e sim um episódio piloto de uma série americana que faria com que os espectadores ficassem ligados na televisão todas as semanas para presenciar histórias interessantes e instigantes que podem estar acontecendo na frente de suas casas. Mas infelizmente, nesse caso, a série acaba no primeiro episódio.
O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN
Nós já cansamos de ver romances proibidos no cinema. Seja ele impedido pela diferença de classes sociais, gangues rivais ou famílias inimigas. Mas, um casal proibido de se amar apenas por serem homossexuais é algo raro de se ver, ainda mais nessa sociedade preconceituosa e hipócrita que vivemos. Devido a essa temática homossexual, desenvolvida no filme, ele certamente causará incômodo em muita gente e talvez seja ela a maior razão pela derrota do filme no Oscar desse ano.
No entanto, a intensidade da história e a complexidade do roteiro vão além de um romance gay, nos revelando uma história de amor verdadeira, sensível e sem cair nos clichês do gênero.
O Segredo de Brokeback Mountain gira em torno de dois cowboys que são levados, a trabalho, a se isolar durante meses na solitária e belíssima Montanha Brokeback para cuidar de ovelhas. A princípio, a relação entre eles é bastante amistosa, se resumindo a poucos diálogos. Mas, aos poucos, eles se tornam amigos e confidentes, fazendo com que um seja uma boa companhia para o outro. Com a convivência, os dois começam a se envolver sexualmente e a partir daí, inicia um romance que atravessará décadas.
Mas é curioso constatar que ambos poderiam viver durante anos como amigos e nunca sentirem atraídos um pelo outro. O que nos leva a constatar que a relação iniciada em Brokeback Mountain é mais que um desejo sexual sentido naqueles meses de exclusão e sim, solidão. Ambos passaram meses isolados da sociedade tendo como companhia, apenas um ao outro. É mais do que natural, nessa situação, que uma relação amorosa entre dois seres humanos comesse a aparecer.
Uma prova disso é que ao longo das décadas de convivência entre eles, eles desenvolvem sim uma relação sexual, mas, sobretudo, uma relação de companheiros e amigos. Durante seus encontros periódicos depois de se conhecerem na Montanha Brokeback, ele conversam naturalmente sobre seus casos heterossexuais, sem nunca demonstrar ciúmes um pelo outro.
Mas caso esse mesmo roteiro caísse nas mãos de diretor inexperiente e sem a sensibilidade necessária para conduzir o projeto, o filme certamente perderia grande parte de sua qualidade. O diretor aqui é Ang Lee e ele consegue, com grandes méritos, que um romance homossexual em um ambiente totalmente machista soe plausível e natural.
Na primeira metade do filme, situada na Montanha Brokeback, o diretor consegue dar asas ao projeto fazendo da primeira hora de projeção bastante promissora. As cenas que retratam o isolamento dos dois cowboys conseguem, como poucos filmes, que nós nos envolvamos com o “casal” sem apelar para muitos diálogos ou momentos de pieguice barata.
Já na segunda metade, o diretor “entrega” o filme aos seus atores, que desempenham a função de manter a qualidade do filme muito bem. Principalmente Michelle Williams, que mesmo com um papel que pouco tem a desempenhar na história, consegue ser dona da melhor atuação do filme. Isso não quer dizer que a dupla de protagonistas está ruim, pelo contrário. Heth Ledger demonstra que todas as indicações às premiações que recebeu por esse papel, foram merecidas. Sobretudo no momento em que, já no final do filme, ele ouve uma “idéia” de Jack Twist.
Mas não é só no conceptismo que o filme se sobressai, se sobressai também no cultismo. Afinal, a parte técnica e visual do filme também representa um grande atrativo para o longa. Principalmente a maravilhosa trilha sonora de Gustavo Santaolalla que com sensibilidade e sem exageros, serve como ótimo instrumento para transpor as emoções da tela para o espectador. Trilha essa que foi, justamente, premiada com o Oscar desta categoria.
Não chega a ser totalmente injusta a derrota do filme na categoria principal, perante a vitória de Crash – No Limite. Mas, após assistir ao filme, todo o favoritismo é justificado e caso o resultado na noite do Oscar apontasse O segredo de Brokeback Mountain como vencedor da noite, seria um prêmio bastante justo e mais merecido.